O músculo esquelético é amplamente reconhecido como o tecido responsável pelo movimento do corpo, pela manutenção da postura e pela geração de força física. No entanto, nos últimos anos, a ciência revelou uma função adicional surpreendente desse tecido: sua capacidade de atuar como um órgão endócrino.

O músculo esquelético é amplamente reconhecido como o tecido responsável pelo movimento do corpo, pela manutenção da postura e pela geração de força física. No entanto, nos últimos anos, a ciência revelou uma função adicional surpreendente desse tecido: sua capacidade de atuar como um órgão endócrino. Essa descoberta trouxe uma nova perspectiva sobre o papel dos músculos na saúde geral, mostrando que eles não apenas nos permitem mover, mas também regulam diversas funções metabólicas e imunológicas por meio da liberação de miocinas — moléculas sinalizadoras que desempenham um papel crítico em todo o organismo.

Entre essas miocinas, destaca-se a Irisina, um hormônio liberado pelos músculos durante o exercício físico que tem efeitos profundos no metabolismo e no sistema imunológico. Neste artigo, vamos explorar o papel do músculo esquelético como um órgão endócrino, com foco nos efeitos da Irisina na saúde e na função imunológica, além de discutir as implicações dessas descobertas para a promoção da saúde através da atividade física.

Miocinas: A Linguagem Química dos Músculos

Quando os músculos esqueléticos se contraem durante a atividade física, eles liberam uma série de proteínas e peptídeos chamados miocinas. Essas moléculas agem como mensageiros, permitindo que os músculos “conversem” com outros tecidos e órgãos do corpo, incluindo o fígado, o cérebro, o tecido adiposo e o sistema imunológico. As miocinas desempenham funções autócrinas (afetando o próprio músculo), parácrinas (afetando tecidos próximos) e endócrinas (afetando órgãos distantes). Essa comunicação é essencial para a regulação do metabolismo energético, da inflamação e até mesmo da regeneração tecidual.

Exemplos de Miocinas Conhecidas:

IL-6 (Interleucina-6): Originalmente descrita como uma citocina pró-inflamatória, a IL-6 liberada durante o exercício físico tem efeitos anti-inflamatórios e ajuda a regular o metabolismo da glicose e a lipólise.

BDNF (Brain-Derived Neurotrophic Factor): Esse fator neurotrófico liberado pelos músculos pode influenciar positivamente a neuroplasticidade, sendo importante para a saúde cerebral e cognitiva.

Miostatina: Inibe o crescimento muscular e é um regulador negativo da massa muscular. Seu bloqueio tem sido estudado como uma potencial intervenção para tratar atrofia muscular.

Entre as miocinas, a Irisina tem recebido particular atenção devido aos seus efeitos notáveis no metabolismo e na saúde sistêmica.

A Descoberta da Irisina: Uma Nova Abordagem Endócrina Para o Exercício Físico

A Irisina foi descoberta em 2012 por Boström et al., em um estudo revolucionário que demonstrou como o exercício físico pode induzir a liberação dessa miocina pelos músculos esqueléticos. A principal função inicial atribuída à Irisina era promover o “browning” do tecido adiposo branco, ou seja, a conversão do tecido adiposo branco, que armazena energia, em tecido adiposo marrom, que queima energia para gerar calor. Isso revelou um elo crucial entre a atividade física e a regulação do peso corporal e do metabolismo energético.

A Irisina é produzida principalmente como resposta ao exercício aeróbico, como corrida, natação e ciclismo, e seus efeitos metabólicos são amplos, tornando-a uma das moléculas mais promissoras na interseção entre saúde, exercício e prevenção de doenças.

Funções Metabólicas da Irisina

A Irisina desempenha um papel central no metabolismo, com vários estudos indicando seus benefícios na regulação do peso corporal e na prevenção de doenças metabólicas. Os principais efeitos da Irisina no metabolismo incluem:

1. Conversão de Gordura Branca em Marrom

O efeito mais conhecido da Irisina é sua capacidade de converter tecido adiposo branco (o tipo de gordura que armazena energia e está associado à obesidade) em tecido adiposo marrom. O tecido adiposo marrom é metabolicamente ativo e dissipa a energia em forma de calor por meio de um processo chamado termogênese. Esse processo ajuda a aumentar o gasto energético, o que pode auxiliar no controle do peso corporal e na prevenção da obesidade.

2. Melhoria da Sensibilidade à Insulina

A resistência à insulina é um dos principais fatores subjacentes ao desenvolvimento do diabetes tipo 2. A Irisina tem mostrado melhorar a sensibilidade à insulina em diversos estudos, ajudando a regular os níveis de glicose no sangue e prevenindo disfunções metabólicas. Isso torna a Irisina uma molécula crucial para o controle do diabetes e outras doenças relacionadas à síndrome metabólica.

3. Redução da Síndrome Metabólica

A síndrome metabólica é um conjunto de condições que aumentam o risco de doenças cardíacas, derrame e diabetes. Essas condições incluem hipertensão, níveis elevados de glicose no sangue, excesso de gordura abdominal e níveis anormais de colesterol. A Irisina contribui para a prevenção da síndrome metabólica ao melhorar o metabolismo da glicose e da lipólise (quebra de gordura), além de reduzir a inflamação crônica associada à obesidade.

4. Proteção Cardiovascular

Além de seus efeitos no metabolismo energético, a Irisina também possui propriedades cardioprotetoras. Estudos têm mostrado que a Irisina melhora a função endotelial (o revestimento interno dos vasos sanguíneos), o que ajuda a reduzir o risco de aterosclerose e outras doenças cardiovasculares. Além disso, ao modular a inflamação e promover um perfil metabólico mais saudável, a Irisina pode reduzir o risco de infarto e outras condições cardíacas.

Irisina e o Sistema Imunológico

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Uma das áreas mais promissoras da pesquisa sobre Irisina é sua interação com o sistema imunológico. O sistema imunológico desempenha um papel crucial na defesa do corpo contra patógenos e no controle da inflamação. A atividade física regular é conhecida por fortalecer o sistema imunológico, e a Irisina parece mediar parte desses efeitos.

1. Modulação da Resposta Inflamatória

A inflamação é uma resposta imunológica natural, essencial para a proteção do corpo contra infecções e lesões. No entanto, a inflamação crônica, que ocorre em condições como a obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares, pode danificar os tecidos e contribuir para o desenvolvimento de doenças crônicas.

A Irisina tem um efeito anti-inflamatório direto ao modular a produção de citocinas — moléculas que regulam a resposta inflamatória. Durante o exercício, os níveis de Irisina aumentam, e isso está associado à redução de citocinas pró-inflamatórias, como o TNF-alfa e a IL-6 (em seu contexto inflamatório). Ao mesmo tempo, a Irisina promove o aumento de citocinas anti-inflamatórias, como a IL-10, que ajuda a neutralizar a inflamação excessiva.

2. Imunossenescência e Envelhecimento

Com o avanço da idade, o sistema imunológico sofre um declínio em sua capacidade de responder a infecções e a estímulos inflamatórios, um fenômeno conhecido como imunossenescência. A Irisina parece desempenhar um papel importante na mitigação desses efeitos relacionados ao envelhecimento.

Estudos sugerem que a Irisina pode combater a inflamação crônica de baixo grau, também conhecida como inflammaging, que acompanha o envelhecimento. Ao reduzir a produção de citocinas pró-inflamatórias e promover um estado anti-inflamatório, a Irisina ajuda a preservar a função imunológica em idosos, protegendo-os contra infecções e doenças inflamatórias crônicas.

3. Efeitos na Imunidade Inata e Adaptativa

Além de modular a inflamação, a Irisina também pode influenciar os dois braços principais do sistema imunológico: a imunidade inata (a primeira linha de defesa do corpo) e a imunidade adaptativa (responsável pela memória imunológica e resposta específica aos patógenos).

Pesquisas indicam que a Irisina pode aumentar a atividade de células imunológicas inatas, como macrófagos e células natural killer (NK), que são responsáveis por atacar células infectadas e tumores. Ao mesmo tempo, a Irisina pode melhorar a resposta adaptativa, promovendo a proliferação de células T e B, que desempenham um papel crucial na eliminação de patógenos e na produção de anticorpos.

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A Irisina e Doenças Imunomediadas

Dada a sua capacidade de modular a inflamação e melhorar a função imunológica, a Irisina tem sido investigada como uma molécula terapêutica em várias doenças autoimunes e imunomediadas, nas quais o sistema imunológico ataca os próprios tecidos do corpo.

1. Esclerose Múltipla

A esclerose múltipla é uma doença autoimune que afeta o sistema nervoso central, resultando em inflamação e danos à mielina, a camada protetora dos nervos. Estudos indicam que a Irisina pode ter um efeito neuroprotetor e anti-inflamatório em pacientes com esclerose múltipla. Além disso, como o exercício físico é frequentemente recomendado como parte do tratamento da esclerose múltipla, o aumento nos níveis de Irisina devido ao exercício pode contribuir para a redução da inflamação no sistema nervoso e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

2. Artrite Reumatoide

A artrite reumatoide é outra doença autoimune na qual o sistema imunológico ataca as articulações, causando dor, inchaço e eventualmente danos nas articulações. A prática regular de exercícios tem mostrado reduzir a inflamação crônica em pacientes com artrite reumatoide, e a Irisina pode desempenhar um papel chave nesse processo. A miocina promove um perfil anti-inflamatório que pode ajudar a aliviar os sintomas da artrite e melhorar a função física dos pacientes.

3. Lúpus Eritematoso Sistêmico

O lúpus é uma doença autoimune crônica que afeta múltiplos órgãos e sistemas do corpo, incluindo pele, rins, articulações e sistema nervoso. A inflamação crônica é uma característica central do lúpus, e o exercício físico moderado pode ajudar a controlar a inflamação e fortalecer o sistema imunológico. Pesquisas emergentes sugerem que a Irisina pode ter um papel importante na modulação do sistema imunológico em pacientes com lúpus, reduzindo os níveis de inflamação e ajudando na manutenção da saúde dos órgãos afetados.

Irisina e Saúde Mental

Além de seus benefícios metabólicos e imunológicos, a Irisina também tem efeitos importantes na saúde mental. A inflamação crônica tem sido associada a vários transtornos mentais, incluindo depressão e ansiedade. Estudos sugerem que a Irisina pode desempenhar um papel na melhora do humor e na proteção contra esses distúrbios, em parte devido à sua capacidade de modular a inflamação sistêmica.

Além disso, a Irisina tem mostrado aumentar os níveis de BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro), uma proteína crucial para a neuroplasticidade e a saúde cognitiva. O aumento da neuroplasticidade pode melhorar a capacidade de aprendizado, a memória e o processamento emocional, fatores que estão diretamente relacionados à saúde mental.

Irisina e o Combate ao Câncer

Pesquisas preliminares indicam que a Irisina também pode ter propriedades anticancerígenas. Estudos in vitro e em modelos animais sugerem que a Irisina pode inibir a proliferação de células tumorais em alguns tipos de câncer, como o câncer de mama. A miocina parece induzir a apoptose (morte celular programada) nas células cancerígenas e inibir seu crescimento, sem afetar as células saudáveis. Embora esses resultados sejam promissores, mais estudos são necessários para entender completamente os mecanismos da Irisina no combate ao câncer e sua viabilidade como parte de uma abordagem terapêutica para a doença.

A Relação Entre Atividade Física, Irisina e Longevidade

A prática regular de atividade física é amplamente reconhecida como uma das estratégias mais eficazes para promover a longevidade e a qualidade de vida. A liberação de Irisina durante o exercício desempenha um papel crucial nesse processo, ajudando a proteger contra uma série de doenças crônicas, melhorando o metabolismo e fortalecendo o sistema imunológico.

Estudos sugerem que pessoas que praticam exercícios físicos regularmente, e consequentemente têm níveis mais altos de Irisina, apresentam uma menor incidência de doenças relacionadas ao envelhecimento, como doenças cardiovasculares, diabetes e doenças neurodegenerativas. Além disso, a Irisina pode melhorar a função muscular e ósteoarticular, reduzindo o risco de quedas e fraturas em idosos.

Conclusão: A Importância da Irisina Para a Saúde Integrada

O músculo esquelético, anteriormente visto como um simples motor para a movimentação, é agora reconhecido como um poderoso órgão endócrino, com a Irisina sendo uma das miocinas mais promissoras nesse novo paradigma. A Irisina tem demonstrado benefícios impressionantes para a saúde metabólica, incluindo a promoção da termogênese e a regulação da sensibilidade à insulina. Além disso, seus efeitos sobre o sistema imunológico, a saúde mental e o potencial no combate ao câncer mostram que essa molécula pode ser central para a manutenção da saúde e a prevenção de doenças crônicas.

O exercício físico regular é a chave para aumentar a liberação de Irisina no corpo. Portanto, incorporar atividades físicas na rotina diária não apenas melhora o condicionamento físico, mas também ativa um mecanismo endócrino complexo que promove uma vida mais longa e saudável. O potencial terapêutico da Irisina, tanto em termos de prevenção quanto de tratamento de diversas condições, continua a ser uma área de intenso interesse científico, e novas descobertas podem transformar ainda mais nossa compreensão do papel do músculo na saúde integrada.

Para otimizar sua saúde, fortalecer seu sistema imunológico e prevenir doenças, a prática regular de exercícios físicos deve ser considerada uma prioridade — e a Irisina está no centro dessa transformação.

Veja mais sobre o assunto em
The Journal of Strength & Conditioning Research e PubMed.

Autor

  • Mauro Ramos

    Bacharel em educação física, pela FEFISA. Pós graduado em treinamento físico, cinesiologia e biomecânica pela Universidade de São Caetano do Sul. Membro do FMS - Functional Movement Screen. MBA em gestão, empreendedorismo e desenvolvimento de negócios (em curso) pela PUC. Mentor da metodologia de treinos Invictus. É CEO tanto da Academia Invictus como da MINHA GENÉTICA. Escritor e palestrante em eventos.

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